sexta-feira, 3 de maio de 2013

A estrangeira


           Nasci numa cidadezinha no interior de Pernambuco. Nela havia um modo de vida interiorano, diversão e acesso fácil por distâncias curtas, feira livre de sábado, a sorveteria da cidade, as lanchonetes da cidade, as pracinhas da cidade, as fofocas da cidade, os donos da cidade... Mas o saudosismo termina por aqui. Por mais que eu me identifique com a cidade me agarrei a cada oportunidade que tive de me distanciar dela, havia algo de errado. Ela não é tão cidadezinha assim, a contradição moral no teor cosmopolita de seus habitantes. Na disputa por ser e ter mais, mesmo que não seja real, só para demonstrar para as outras pessoas. Um certo sentimento ambíguo que tudo que é de fora é melhor, ao passo que reside o tom áspero com visitantes estrangeiros.
                Pessoas nas quais tenho um imenso carinho também saíram de lá. Cada um ao seu modo, como a vida foi mostrando que é possível. Aos poucos fui me afastando das pessoas, da cultura, dos conhecimentos da minha própria terra. Mas a sua terra nunca saí de você. Às vezes me vejo reproduzindo o egocentrismo, a arrogância, o bucolismo da feira, a alegria provinciana de sair para tomar sorvete, moro do centro (como era quando estava lá) e próximo ao metrô (procuro evitar a distância do que preciso). Me falta o tempo livre que tinha ao residir lá, mas talvez se eu não tivesse saído esse tempo não seria preenchido de vida. São contradições, apenas contradições. É uma cidade de interior, é minha geração de retirantes deslumbrados com o mundo que tenta viver apenas sua vida e sair de lá é um status social tão tipicamente arrogante quanto os valores de lá. Parece que saímos pra cada vez mais esquecermos as tristezas dessa terra e poder sair em defesa dela numa mesa de bar seja em Recife, São Paulo ou Amsterdã. Isso revela que acima de tudo somos apaixonados por nossa cidade natal, ou a lembrança que temos dela.
                Outras pessoas que mantenho carinho também ficaram por lá e continuam a falar bem e mal da cidade. Elas não desistiram desse modo de vida, não se esquivaram de suas contradições e nem apostaram no individualismo que inerente aos que ganharam o mundo. Alguns por medo que se torna inveja dos que saíram, outros porque não tiveram oportunidade. Mas alguns não saíram por defender todos os encantos da cidade, pois eles são parte deste encanto  e a cidade é indissociável da sua própria existência. Estes por mais que viagem, que falem bem da cidade em mesa de bar em qualquer parte, coerentemente retornam e passeiam pelas ladeiras, vão à feira, ao trabalho e carregam dentro de si o mundo. A inveja é um sentimento condenado socialmente, mas a pouca coragem que me resta é o suficiente para admitir o quando invejo as pessoas que se encontraram na minha terra e ao mesmo tempo são igualmente pertencentes ao mundo e ao que o conjunto da humanidade produziu de melhor.

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