sábado, 1 de fevereiro de 2014

Um delírio em uma noite de verão


Sentia um desejo incontrolável ao vê-lo. Entretanto, o inverso não era verdadeiro. Queria-o tanto que se aproximara apenas pra contemplar seu sorriso e seus detalhes que o tornam único, ao menos para ela. Leu em algum lugar que se não for correspondido não é amor, por agora já não faz mais questão por nomes. O fato é que se afastara e percebera em seguida que lhe fazia falta. Deixou-se guiar por seus desejos.

Ao chegar em casa não conseguira concluir o filme, fez uma pausa para a fantasia. Mais tarde, em uma noite repleta de calor, inesperadamente o telefone toca ele pergunta se está ocupada ela responde que não. Ela o convida para escutar violão. Ele chega, ela resiste. O sabor do dia seguinte é desagradável, indigesto. Ele a compreende como um raio de sol iluminando qualquer situação, por mais sofrida que seja. Gostaria de supor seus pensamentos, mais a inutilidade desta abstração provocaria o afastamento da realidade. Falavam sobre o rio São Francisco, a marginalidade e os efeitos da pobreza. Pensamentos similares os aproximavam de fato. Mas é na faísca de um debate apaixonado que as contradições afloram. Divergiram sobre machismo. Mais cedo esse assunto surgiu, mas só então foi aprofundado. Ele pensa que uma série de modalidades de dança reproduzem o machismo. Ela está mais preocupada em se permitir o gozo nos papeis criados sócio-históricamente, mantinha a dança entre seus quereres porque acredita que aproxima as pessoas. Foi um duelo artístico, filosófico e político. Como as contradições se resolveram? Vamos à prática.

Desafio instaurado, escolheu alheatoriamente Aí que saudade d'ocê. Seus olhos se entrelaçaram dissipando a timidez, durante a introdução a mão dela buscou a dele pousando em sua cintura, a dele involuntariamente segurou com firmeza a outra mão. Seus corpos se aproximaram. Ele repetia que não sabia conduzir, que não sabia dançar. O quadril dela abria os caminhos do ritmo, e seu sorriso arrematava com leveza os acertos e os erros. Sussurrava em seu ouvido o que fazer com seu corpo, que no instante da dança é partilhado como um só. A música acabou. A mão dele envolve seu pescoço, ela enfim se rende. O beijo leve que recordara dava espaço ao beijo certeiro que até então desconhecera. O beijo que surgiu da dança, do dilema de conduzir e ser conduzida. Mas quem conduziu esta dança? O inevitável. Quem vencera o debate? O desejo. Tais conclusões se abriram em suas cabeças como uma rosa ao desabrochar da primavera, em silêncio. O acordo era que o silêncio era a beleza da situação. A mão dele já estava em seu quadril, aproximando-a do seu sexo. Abriu o zíper de seu vestido, beijou seu colo, despiu seu corpo. Então nua ela se afasta, ainda pensa no dia seguinte. Ele retira a camisa e a puxa para seu corpo. O medo é o disfarce do desejo, e ele acabara de retirar a última peça, a mais delicada e inacessível. Ela prontamente arranca seu short. Os sexos se unem, as peles derretem ao calor da cama, a guerra de sensações se instaura. Calefação de salivas, invasões de línguas, disparos nos corações, descabimentos dos corpos.

Ela se levanta, sozinha, mas preenchida de desejo. Escreve um conto de delírios para dar algum sentido ao que sente. O telefone permanece mudo. Vai arrumar a casa, enquanto canta para aguardar um novo amor, um par que lhe enxergue.


 

Saudades do verso

Onde tá o verso?
Sempre de passagem.
Nem se despede,
é um mau educado!

Gestante

Me ocorreu um canto repentino,
assumindo minhas alergias,
o mau humor, pequenas alegrias.
Gosto pela confusão nas palavras,
jogo de luz e sombra,
impressionismo.
Eu canto pra esperar o novo desejo.

Público de uma grande amiga.

Uma sexta-feira comum. Ela empunha em frente ao espelho seu celular e posta uma foto para compartilhar sua beleza exposta. Havia uma firmeza em seu gesto idêntica a quem segura uma arma certa que irá ferir o coração de alguém, ou sua cabeça. E que não seja o seu amiga, que não seja o seu. Guarde tal talento aos que pretendem ferir aqueles por quem tens afeto. De fato tua beleza impávida assusta e deslumbra, poucos se dispõem a desbravar a selva de seus encantos e permanecer deveras na tua vida. Somente os bravos reverenciam teus efeitos, esse misto de defeitos e qualidades.
Que assim seja!