quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Marcas


Cala, calmante, tristeza,
comida, partida, saudade.
Cisões sem emendas, vultos.
Tudo segue, disfarce, festa.
Segunda-feira, sorrisos, amigos.
Trabalho, ócio, cio.
Fenda, ferida, fato, maus tratos,
Exploração, greve, maldade, identidade.
Vai, capota, despenca, entorta.
Cede, lubrifica, bebe, justifica.
Berra, canta, fuma, traga.
Adianta?
Passa?

Ar foi, e tu?

A mão caída sobre o rosto, gesto.
Desejo e mais outro desejo, completa-se.
Desejante e desejável.
Mobilidade, som, alma, ego.

Olhares, janelas, corredores, pulsações.
Risos, improvisos, o tempo suspenso.
Quem é a presa? Ambos são aflitos?
Mortos pela mal da pressa, descobrem...
Enxurradas também destroem sertões.



sábado, 12 de janeiro de 2013

Meu primeiro photocontopoema


Ismália
Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...



São Paulo, 12 de janeiro de 2013.

Ismália, minha querida. Escrevo-te por ser uma das pessoas mais corajosas de que tenho notícia. Alguns te tratam com o desdém da loucura, isso não me importa. Desejo saber como vai sua vida no céu, e lógico, como vai no mar. Depois de sonhar tanto, quando o sonho se realiza, que nome tem?
Por aqui acho que só sei falar de mim. As coisas se complicaram, há tantas luas para se querer querida. Procuro segui-las no meu amedrontado modo.
Ao cair da tarde me veio a vontade de ser velha. Ao envelhecer ganha-se um corpo novo, a nossa história vai se desenhando na nossa pele. Decidi fantasiar. Forcei as linhas do meu rosto, abusei de cores que não costumo. Não era eu, era uma versão forçada de mim. Quantas e quantas pessoas não são uma versão forçada de si mesmas? Algo ou alguém as forçam a ser assim. Meu narcisismo em optar por ser essa versão me possibilitou aceitar que  esse instante, que precede o próximo, será sempre limitado, infantil e mesquinho. Quanto mais o tempo passa, mais chances eu tenho de querer minhas luas, de saber amar as pessoas e me surpreender com a vida para saber lidar com ela.
Fui me desmanchando. A angústia de se desmanchar deve ser semelhante aquela quando você partiu. As arestas da beleza precisavam ser quebradas, para poder enxergar em que tempo estou. Embora já tenha passado minha adolescência, as espinhas atuais me causavam repulsa, afinal não é tempo de espinhas e sim de rugas, aquelas que contam nossa história. Aos poucos acertei o fuso horário da alma e do corpo. É impossível já ter vivido tudo, já vi muito ao passo que é tão pouco.
Quis me embelezar, rejuvenescer, voltar ao melhor que minha idade pode representar esteticamente. Retratar o que o mundo acha belo. Um sol surgiu em mim. Lembrei da função que me persegue ou que eu persigo sei lá, aquela de iluminar o mundo. Depois lhe chamam de louca Ismália. Loucura é querer aquecer a frieza do mundo. Mas tudo isso é uma farsa, uma pintura. Tão necessário quanto o sol é a chuva pra se brotar algo nesse mundo. Ainda que eu tivesse esse poder, o de iluminar tudo, é impossível brotar vida apenas da luz. É preciso aprender a lidar com a mudança do tempo.
Tirei a maquiagem, Ismália não estava aqui. Não estava nem no céu, nem no mar. Ela morreu. As vezes a gente quer morrer um pouco, fantasiar um pouco, se aceitar um pouco. Com os olhos aguados aceito que eu quero viver muito, vê muito, talvez um dia eu morra desse mal de amar demais. Ou morra só um pouco a cada dia.
Estou exatamente onde quero estar agora, todavia distante demais de onde vou parar. Escrevo porque não quero parar.

Talita Kumy