sexta-feira, 17 de maio de 2013

Tom subversivo





Os balés dos pés, a dança das mãos
o passo com a cabeça, além do som.
Percebo ruídos no silêncio interior.
Entre a morte e a vida,
entre as pausas de não e sim.
Os detalhes, os incômodos, as jornadas.
O único lado possível é o meu.
Cá dentro mora tudo,
gente, canções, gostos e o lá fora que quero deixar...
Aquilo que escuto, o que não ouço,
O que rompe a barreira e teima em ficar.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Casa


É como se o amor já estivesse ali
e eu não pudesse tocá-lo.
Como se eu tivesse que inventar,
ou seria reinventá-lo?
Rasgando o véu do tempo,
remendando o despudor,
alertando o vento.
Deixar-se conduzir,
compor, viver, sonhar...
Sentir.



domingo, 5 de maio de 2013

Sentir de onde vem as coisas que consumimos


                Para escrever este texto eu abri meu notebook num momento de angústia que se iniciou ontem e eu não tinha as palavras certas para descrevê-la. Há um imenso prazer em ter um notebook e pode fazer isso. Um investimento no ego de tal maneira em poder ter recursos tecnológicos e intelectuais neste gesto. Eu poderia escrever com papel e lápis ou caneta, mas eu escrevo no computador para postar na internet o mais rápido possível e transformá-lo em propriedade do mundo e "ganhar tempo". O que está por trás de do notebook? Da televisão? Do DVD? E de todas as outras coisas que nos dão conforto e prazer?
                Numa aula sobre teoria marxista, a professora enfatizou várias vezes que tudo o que vimos foi feito com sangue e suor da classe trabalhadora. Naquele instante eu achei um tanto melodramático, oras quem não sabe que as coisas são produzidas pelos trabalhadores? Relendo os textos da aula ontem e hoje fui tomada por uma angústia estranha e como de costume culpei a TPM. Mas as coisas são mais profundas do que parece. Sempre são assim. Me dei conta que tudo que é produzido hoje pela humanidade é uma série de esconderijos de sofrimentos. Depois de uma semana exaustiva, eu tomo uma cerveja. Esta foi feita numa fábrica por trabalhadores que vendem o maior tempo de suas vidas, tempo este que poderiam estar com seus filhos, ou em qualquer outra atividade que lhes realizassem. Não raramente eles se acidentam, ou têm a audição reduzida ao longo dos anos. Esse computador que está na minha frente, quantas pessoas morreram para que eu possa escrever esse texto? Algumas pessoas podem me achar melodramática demais, como eu pensei quando a professora repetia exaustivamente "sangue e suor da classe trabalhadora". De fato é o melodrama da vida real. Onde os estudantes desconhecem o sofrimento dos professores, e os professores desconhecem os dilemas dos estudantes. Onde os paciente desconhecem o sofrimento dos trabalhadores da saúde, e estes terminam por ignorar boa parte do sofrimento dos pacientes por ter que atender num tempo cada vez mais reduzido. Onde todos nós, consumidores, desconhecemos o sofrimento de quem trabalha para o nosso consumo. Aí reside um problema fundamental, consumimos a vida dos outros. E não há como ser feliz desse jeito. Por isso tudo que compramos aos poucos perde o sentido, fica sem graça e inventamos coisas novas para comprar.
                Outra perspectiva que parece muito convincente para algumas pessoas é a de que não precisamos de dinheiro para sermos felizes, o trabalhador que fez a cerveja pode ser mais feliz que eu. O relativismo das análises são esquemas de pensamentos muito uteis para não assumir nossa responsabilidade com o mundo. Digamos que ele seja feliz, que ótimo e porque ele não pode ser mais feliz? Sem doenças adquiridas com o trabalho? Com mais tempo para realizar atividades que ele gosta? Com uma saúde melhor para ele e sua família? Ele se acredita feliz por "cumprir sua missão no mundo, ou suas responsabilidades que seja", mas se a felicidade se resumisse a isso a humanidade ainda estaria nas cavernas.
                A verdade é que vivemos num mundo pesado, carregado das nossas dores. Quando compramos algo falamos como patrão, destratamos a atendente cujo o trabalho é criar necessidades irreais para nossas vidas. Que trabalho horroroso. Mas isso é o que garante que ela tenha alguns objetos fabricados da dor de outros trabalhadores e também possa se acreditar um tanto mais feliz.
                Se Marx estava certo e o que funda o homem como ser social é o trabalho, ao desconhecermos o trabalho uns dos outros fica mais fácil o desperdício, a futilidade e os breves instantes de prazer. Todavia, também nos distanciamos da felicidade, pois trabalhamos cada dia mais e em piores condições para ter o fruto do sangue e suor de outros trabalhadores. Tem uma frase que circula por aí que resume isso "não tá fácil pra ninguém".
                Neste texto eu não quero falar mal dos donos dos meios de produção. Não é deles que têm que partir a mudança do mundo. Eles estão aprisionados neste mundo da mesma forma que nós e somando seus prazeres, defendendo isso com todas as forças. Mas nós não defendemos extinguir essas dores com todas as forças, eles apenas se aproveitam disso. Não estou defendendo eles, só não espero nenhuma que angústia da parte deles que resolva nossos problemas.
                Sempre escutei que a gente tem que dar tudo que não tivemos aos nossos filhos. Sabe aquele brinquedo que gira, canta e brilha? Que custa boa parte do salário? Sem medo de errar, se você girasse e cantasse com seu filho brilharia muito mais na história dele. Mas a gente prefere dar o nosso suor e sangue, com o suor e sangue dos trabalhadores da fábrica de brinquedos para aliviar nossa consciência por não ter tempo pra brincar com nossos filhos. A gente pensa numa promoção para ter mais dinheiro para ter mais coisas e com isso compra o discurso de "reconhecimento profissional" e toda a lógica meritocrática como se existisse possibilidade de felicidade individual e isolada. Esquecemos que é impossível se esconder do sofrimento, que o diga a indústria farmacêutica vendendo cada vez mais antidepressivos.
                Parei um tempo, procurando uma conclusão para esse texto. Acho que não tem. Dentro das possibilidades estou um tanto menos ansiosa. Saber de onde vem as coisas é completamente diferente de sentir de onde vem as coisas. Em resumo é isso que eu descobri e ficaria bem satisfeita se alguém viesse a ler e pudesse me dizer que sente a mesma coisa, afinal é tão mais doloroso sofrer só. Acho que se Marx estivesse vivo falaria: Proletariado do mundo não escondam suas dores! Sofram e lutem unidos!

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A estrangeira


           Nasci numa cidadezinha no interior de Pernambuco. Nela havia um modo de vida interiorano, diversão e acesso fácil por distâncias curtas, feira livre de sábado, a sorveteria da cidade, as lanchonetes da cidade, as pracinhas da cidade, as fofocas da cidade, os donos da cidade... Mas o saudosismo termina por aqui. Por mais que eu me identifique com a cidade me agarrei a cada oportunidade que tive de me distanciar dela, havia algo de errado. Ela não é tão cidadezinha assim, a contradição moral no teor cosmopolita de seus habitantes. Na disputa por ser e ter mais, mesmo que não seja real, só para demonstrar para as outras pessoas. Um certo sentimento ambíguo que tudo que é de fora é melhor, ao passo que reside o tom áspero com visitantes estrangeiros.
                Pessoas nas quais tenho um imenso carinho também saíram de lá. Cada um ao seu modo, como a vida foi mostrando que é possível. Aos poucos fui me afastando das pessoas, da cultura, dos conhecimentos da minha própria terra. Mas a sua terra nunca saí de você. Às vezes me vejo reproduzindo o egocentrismo, a arrogância, o bucolismo da feira, a alegria provinciana de sair para tomar sorvete, moro do centro (como era quando estava lá) e próximo ao metrô (procuro evitar a distância do que preciso). Me falta o tempo livre que tinha ao residir lá, mas talvez se eu não tivesse saído esse tempo não seria preenchido de vida. São contradições, apenas contradições. É uma cidade de interior, é minha geração de retirantes deslumbrados com o mundo que tenta viver apenas sua vida e sair de lá é um status social tão tipicamente arrogante quanto os valores de lá. Parece que saímos pra cada vez mais esquecermos as tristezas dessa terra e poder sair em defesa dela numa mesa de bar seja em Recife, São Paulo ou Amsterdã. Isso revela que acima de tudo somos apaixonados por nossa cidade natal, ou a lembrança que temos dela.
                Outras pessoas que mantenho carinho também ficaram por lá e continuam a falar bem e mal da cidade. Elas não desistiram desse modo de vida, não se esquivaram de suas contradições e nem apostaram no individualismo que inerente aos que ganharam o mundo. Alguns por medo que se torna inveja dos que saíram, outros porque não tiveram oportunidade. Mas alguns não saíram por defender todos os encantos da cidade, pois eles são parte deste encanto  e a cidade é indissociável da sua própria existência. Estes por mais que viagem, que falem bem da cidade em mesa de bar em qualquer parte, coerentemente retornam e passeiam pelas ladeiras, vão à feira, ao trabalho e carregam dentro de si o mundo. A inveja é um sentimento condenado socialmente, mas a pouca coragem que me resta é o suficiente para admitir o quando invejo as pessoas que se encontraram na minha terra e ao mesmo tempo são igualmente pertencentes ao mundo e ao que o conjunto da humanidade produziu de melhor.