quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Me diz onde eu fui parar?


(mais uma história de amor)


Ali, depois daquele pé de manga,
os dois rios se encontravam.
Em tempos de seca,
o rio que era dois matava a sede da cidade.
Em tempos de chuva,
tudo ao redor florescia, os bichos corriam, o povo festejava.
Até chegar a Razão, aquela que de tudo sabe.
Mudou o curso de cada rio,
disse abastecer duas cidades.
Na seca, a escassez de água matou gado.
Na chuva, o lugar do encontro ficou alagado.
Foi muita água, a cidade sumiu, a vida se foi.
Culparam a Natureza, era a única que tinha ficado.
Ela tentava se explicar que precisava de tempo para tal mudança.
Até que alguém gritou:
- Onde foi parar a Razão depois de ter errado?

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

À espreita



Esperando o sangue,
a toalha ainda branca,
quase amarelada de uso e tempo.
O atraso, a trava, a tristeza,
vírgulas e mais vírgulas de angústia,
e de razão morre o ponto final.
O sangue chega de onde não deveria,
bate, corta, mal gosto de boca.
Já não sei quem é avesso de quem,
ele não vem e tenho medo da dor não cessar.


*Foto do ensaio fotográfico fantástico da revista canadense Vice  com o nome: "There will be blood" (Haverá sangue)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Aquilo que não ouso tocar


Pior que ser enganado
é ser enganado mais uma vez,
e não perceber o obvio,
pra não ter que sofrer.

É! Valeu!
Tantos mortos e nada mudou!
Nossa estima baixa, perdida no tempo em que alguém apostou.

Pior que ler o resumo do livro,
é confiar num comentarista qualquer,
e defender absurdos,
por não ter tempo pra ler.

É! Valeu!
Tantos mortos e nada mudou!
Nossa estima baixa, perdida no tempo em que alguém apostou.

Pior que querer mudar o mundo,
é aceitar tudo do jeito que está,
e tomar fluoxetina aos 27 ou beber até vomitar,
por não saber o que deu errado.

É! Valeu!
Tantos mortos e nada mudou!
Nossa estima baixa, perdida no tempo em que alguém apostou.

domingo, 19 de agosto de 2012

Entre tanto

Depois de escavar nossas almas,
O que resta?
O que se vê não é falado.
Dois rasos vasos incontestes.
A beleza autodestrutiva,
Camada da falta de vida.
O sexo matinal,
Poeira daquele passado.
O café cordial,
Dissabores da vida.
O que fazer?
Os talheres falam mais que nós.
Ambiguidade dos desejos.
Despindo a história,
Aprofundando o perigo.
Pensamentos de várias espécies,
Fósseis nossos ou de outros.
Nossas liberdades nos aprisionam.

domingo, 5 de agosto de 2012

Um final feliz


Nos cabemos em qualquer lugar, um no outro. Pelos corredores do prédio, pelas ruas e praças. Não há palavra que possa desenvolver essa explosão de vida que brota em nós. Quadros, fotografias, filmes, músicas, poemas, crônicas, livros, perfumes, gostos, peças, texturas, esculturas... a beleza que partilhamos só poderia se aproximar com a expressão em todas as artes. Ainda assim, não conseguiria registrar de uma só vez nossos momentos. Trata-se de vida, meu caro. A vida que nem eu nem você teremos separados.
                Aprendemos juntos a nos descobrir. É um labirinto de emoções superiores da existência humana. Seu toque, o nosso som com a sua entrada em meu corpo, os beijos a serem descobertos, os líquidos dispersos,  o encaixe exato, os inúmeros tipos de orgasmos e gemidos. Não deixo de mencionar aqueles que ainda não foram descobertos. Elaboramos juntos essa forma de amar.
                Me deparo com a beleza reduzida das lembranças. Cada um segue seu caminho. Você desistiu dessa beleza, talvez prefira outras. Eu terei outras belezas pra viver também. Desnecessária a forma como conduzimos este final, mas é o que temos agora. Ella Fitzgerald, a trilha sonora do ultimo ato seguirá em minha lembrança. Retratos, conversas, e recordações vão tomando distância. Nunca saberemos o que poderia ter sido, o que foi se foi. Me restou mais um poema.

Fim
Primeiro se vai o cheiro,
a lembrança vai ficando distante,
o que poderia ter sido se esquece.
Seguimos.
Entre outros corpos, a procura.
Até chegar o novo
e assim poderemos nos libertar.


Pode um ser humano amar ter o outro?


                Muito se fala de fidelidade, amor livre e traição. Penso que as formas estabelecidas de relacionamento devem obedecer uma única regra: a sinceridade. Falando assim até parece mais um clichê de auto-ajuda, talvez até seja, reconheço que há um tom de utopia nessa afirmação. Mas se não somos sinceros corremos o risco de que a pessoa com a qual nos relacionamos perca a esperança nas pessoas e com isso restringimos através de mágoas futuros relacionamentos. Aprisionamos os outros e nos tornamos medíocres.
                Partilhar a vida com alguém é um ato de muita coragem e que envolve uma porção de sentimentos. Vai desde desejo, passa por admiração e paciência até chegar na ternura. É muito ruim quando só um dos lados sente isso e está disposto a assumir todos os atos. É tão frágil descobrir que nunca teremos o outro, sempre teremos momentos.
                Tive momentos muito intensos, não me arrependo de tê-los vivido. O problema é que eu me dispus a assumir essa coisa difícil de relacionamento partilhado, comumente chamado de namoro. A outra pessoa não. Agora me restam as lembranças, as cicatrizes da falta da sinceridade e uma vontade de não apostar nesse tipo de relação.

sábado, 4 de agosto de 2012

O segundo grande amor

Ela sorrir até o limite da conveniência,
como uma loja de utilidades que só serve à emergências.
Ela têm mistérios administráveis,
minha época de Sherlock já passou.
Ela já trepou com outros caras,
e sabe mais que eu sobre sexo, sinto inveja.
Ela acredita em coisas que não existem,
ela quer mudar o mundo, eu nem acredito e nem quero.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Retomadas, tomadas e o desligar


       Sua volta parecia nem ter a partida, mas teve. Até onde podemos acreditar em uma nova pessoa? É tentador quando alguém te pede desculpas e se dispõe a fazer tudo certo. Mas e essa sensação que é tudo encenado? Acho que deve ser por isso que relacionamentos antigos tendem ao fracasso. Ou seja, a mudança pode até ter ocorrido, entretanto a desconfiança impera como um alerta sobre os 5 sentidos. Daí surge a sensação de incapacidade de ser completamente feliz.
                Saber dar o fim nas histórias é uma arte. Trata-se de algo que eu aprendi com tempo e solidão. Esta viagem para dentro que eu ouso fazer todos os dias vem demonstrando que muitos erros ainda doem e que eu não consigo acreditar tão facilmente assim nos outros. Pela primeira vez minha auto-preservação falou mais forte.
                Acho importante quando alguém que nos decepciona toma a decisão de retomar as relações identificando seus erros e admitindo os que não conseguiu enxergar, afinal nunca sabemos onde machucamos os outros. Só que ainda restava alguma coisa pra viver, eu tomei a decisão e vivi. E como fala a música continuar a trajetória é retroceder. Aprendi a não ceder, e principalmente a não retroceder.
                As histórias precisam de um desfecho, algumas tem continuidade em nossa imaginação, mas nenhuma película dura para sempre. Não há público para tal. Fui me desligando desta história aos poucos, sem me perceber disso. Não nos falamos hoje, não sinto falta, não sinto nada. Só há letreiros subindo e a vida dando mais uma desligada.