Ao
encontrar umas coisas perdidas em mim, o impulso foi querer lhe abraçar. Não
pude. Você não estava, não queria estar por perto. Portanto, me vi só. Sei que
vou sobreviver a isso, e que também há palavras pra me confortar (ainda que
seja eu quem as escreva). Aprendi a manejar o incomodo da sua ausência. A falta
de elementos que constituam sua figura aos poucos foi substituída por outras
pessoas, e até por mim.
Quando
bem pequena, encontrei uma bolha de alegria no meio de um turbilhão de brigas.
Mas os conflitos continuaram, se intensificaram com essa bolhinha. Então eu
comecei a mentir, culpando outras pessoas. Eu amava essas pessoas, ainda as amo
e estou triste por misturar todas elas num enredo estilo Almodóvar. Fiquei com
medo dos olhares, tive o mesmo pesadelo todos os dias, até os quatro anos. Eu
sei que não faz muito sentido falar tudo isso pra você em metáforas, só que foi
a forma que eu pude encontrar.
Revirando
isso em mim, me veio culpa. Uma criança tão pequena não é culpada, eu sei. O
problema é que foi aí que o começou essa loucura toda. Agora estou sem coragem
para falar para minha mãe, não é medo, mas um tanto de não sei o que. Tá tudo
tão complicado na minha cabeça. Me sinto tão estranha. Não há nada de novo em
ser estranha, isso sempre me acompanhou. Fico me perguntando onde está meu
jeito de resolver as coisas e pronto. Sei o que devo fazer, não faço. Não me
sinto segura. E também não sei quando vou me sentir.
De
que serve minha vida? Unir minha família? Construir a revolução socialista? Ser
feliz por não saber se terei outra vida? Salvar pessoas de uma vida vazia, ou
melhor ocupada pelas mazelas do capitalismo? Vasculho, não acho. Talvez seja um
tanto de tudo isso, ou nada. São tarefas grandes demais pra mim. Todas elas. O
que depende de mim? O que dependerá dos outros?
A
frustração de não conseguir cumprir nada daquilo que me propus é pela única
razão lógica da falta dos outros. A infelicidade, a dor, a tristeza, o parto, a
culpa, a doença, a morte. O degrade dos sentimentos, a falta completa de
arestas. Queria falar de como eu me sinto pra você. E como lidar com quem não quer
saber? Será que suporta saber?
O
que me cabe é procurar formas de suportar, pois embora ainda não ache serventia
para esta vida, ela é minha.
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