Nasci numa cidadezinha no
interior de Pernambuco. Nela havia um modo de vida interiorano, diversão e acesso
fácil por distâncias curtas, feira livre de sábado, a sorveteria da cidade, as
lanchonetes da cidade, as pracinhas da cidade, as fofocas da cidade, os donos
da cidade... Mas o saudosismo termina por aqui. Por mais que eu me identifique
com a cidade me agarrei a cada oportunidade que tive de me distanciar dela, havia
algo de errado. Ela não é tão cidadezinha assim, a contradição moral no teor
cosmopolita de seus habitantes. Na disputa por ser e ter mais, mesmo que não
seja real, só para demonstrar para as outras pessoas. Um certo sentimento
ambíguo que tudo que é de fora é melhor, ao passo que reside o tom áspero com visitantes
estrangeiros.
Pessoas
nas quais tenho um imenso carinho também saíram de lá. Cada um ao seu modo,
como a vida foi mostrando que é possível. Aos poucos fui me afastando das
pessoas, da cultura, dos conhecimentos da minha própria terra. Mas a sua terra
nunca saí de você. Às vezes me vejo reproduzindo o egocentrismo, a arrogância,
o bucolismo da feira, a alegria provinciana de sair para tomar sorvete, moro do
centro (como era quando estava lá) e próximo ao metrô (procuro evitar a
distância do que preciso). Me falta o tempo livre que tinha ao residir lá, mas
talvez se eu não tivesse saído esse tempo não seria preenchido de vida. São
contradições, apenas contradições. É uma cidade de interior, é minha geração de
retirantes deslumbrados com o mundo que tenta viver apenas sua vida e sair de
lá é um status social tão tipicamente arrogante quanto os valores de lá. Parece
que saímos pra cada vez mais esquecermos as tristezas dessa terra e poder sair
em defesa dela numa mesa de bar seja em Recife, São Paulo ou Amsterdã. Isso
revela que acima de tudo somos apaixonados por nossa cidade natal, ou a
lembrança que temos dela.
Outras
pessoas que mantenho carinho também ficaram por lá e continuam a falar bem e
mal da cidade. Elas não desistiram desse modo de vida, não se esquivaram de
suas contradições e nem apostaram no individualismo que inerente aos que
ganharam o mundo. Alguns por medo que se torna inveja dos que saíram, outros
porque não tiveram oportunidade. Mas alguns não saíram por defender todos os
encantos da cidade, pois eles são parte deste encanto e a cidade é indissociável da sua própria
existência. Estes por mais que viagem, que falem bem da cidade em mesa de bar
em qualquer parte, coerentemente retornam e passeiam pelas ladeiras, vão à
feira, ao trabalho e carregam dentro de si o mundo. A inveja é um sentimento condenado
socialmente, mas a pouca coragem que me resta é o suficiente para admitir o
quando invejo as pessoas que se encontraram na minha terra e ao mesmo tempo são
igualmente pertencentes ao mundo e ao que o conjunto da humanidade produziu de
melhor.
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