domingo, 27 de outubro de 2013

Ciência

O ar acaba a cada segundo,
impaciência.
Segue a vida e a história.
Agora é olhar o mundo,
viagem.
Juntar tudo que preciso,
deixar o que atrapalha.
Já que não se proíbe dor,
parto em busca da cura.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Mas, vou cantar pra não cair


Inesquecível


Cabia a saudade da minha mãe, dos meus irmãos e amigos.

Entretanto, era diferente como sempre haverá de ser.

A disposição dos móveis encaixava-se no teu olhar,

e na sequencia de cenas era o meu que deleitava-se.

 

Podia se mover para separação ou união.

A angústia da espera pela mensagem,

os sons que se cruzavam,

a habitual resistência aos compromissos,

os outros, os sonhos, as entrelinhas.

 

E cada qual segue sua vida.

Amor que não cabe, amor que rompe.

Saudade-solidão, dúvida-decisão,

binômios do neologismo necessário a cada história.

Inesquecível.
 
 
 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Fazendo as pazes com o cigarro

Tantas vezes escuto os malefícios do cigarro, tanto a curto, médio e longo prazos. A gente já começa a fumar assumindo que pode parar, afinal faz mal. Não pensamos nisso ao comer um doce com alto teor de açúcar, ainda que tenha um peso de comer, essa prática não é condenada, não inicia como uma briga contra os desejos e se depois se torna todo o mundo condena.
Nunca vi nenhum psicólogo falando com o paciente sobre o sentido e o significado de fumar com o objetivo de continuar fumando. Quando fumar se torna um problema? Para o ministério da saúde desde quando se ascende o primeiro cigarro. Mas não é isso o que os tradicionais espaços de socialização falam, afinal baladas são sinônimos de ver pessoas fumando e fumar, aquela pausa no trabalho para fumar pode ser o tempo necessário para não surtar.
Fumar pode causar câncer e problemas pulmonares e cardíacos, na verdade pode aumentar as chances. Assim como os alimentos, os desprazeres da vida, a falta de atividade física... A questão é como queremos cuidar de si mesmos. Penso que a maior descoberta na vida de alguém é descobrir os limites, as satisfações, desprazeres e os sentidos da própria vida. Se é o cigarro que traz algo importante que seja, ao menos aumenta-se os "radicais livres", ao menos eles são livres, já que nós não somos.

sábado, 12 de outubro de 2013

Malandragem


                  Um dia de "cafés da manhã". Cada vez mais atrapalhada, esquecida, complicada. A bagunça impera em minha casa, quase como se não a habitasse, não consigo. O retrato do caos interno que vivo e faço um péssimo julgamento, mas eu não consigo arrumar. Parece que o Freud falou que precisamos amar para não adoecer, eu queria tanto saber o contexto desta frase. Pois ao que me parece esse amor que sinto não me serve de nada a não ser adoecer. Não é fisicamente, eu nunca tive tantos cuidados com meu corpo. Mas penso que isso deve ser apenas um passa tempo redutor de danos, afinal correr e comer bem melhoram o meu quadro crônico de angustia no peito. Paliativos para as dores emocionais.

                Ao final da tarde retomei algumas lembranças. O som, os cheiros, os músculos, as expressões, as sensações. Tudo isso está aqui, como prova que eu deixei escapar. É passado, e o mais doloroso é ter que aceitar isso. A angústia de ser tão feliz me levou a fugir, tinha que haver algo errado, como não tinha eu apenas criei uma sequencias de coisas erradas. O exílio no medo, o conforto de pensar que outra pessoa certamente o fará mais feliz que eu (sempre foi assim). A responsabilidade de fazer alguém feliz que eu me impus. Eu provoco meu próprio abandono, porque simplesmente gosto de sofrer. Porque essa dor é perfeitamente administrável e revisita-la é como me esconder na infância, no escuro, naquele lugar seguro onde estou só e não há ninguém para me decepcionar e o melhor ninguém que eu decepcione. E porque agora é diferente? Porque não escrevo mais um poema com meia dúzia de palavras que em 30 minutos eu não vou mais lembrar? Porque pela primeira vez consegui enxergar meus movimentos.

                Essa consciência é insuportável. Entre outros motivos pelo simples fato de sentir a falta dele. Com outros existia dor, mas simplesmente passava. Eu vejo várias amigas minhas tão corajosas se casando, repletas de dúvidas expressas em seus rostos, mas que se minimizam pela audácia de simplesmente viver um amor. As surpresas e o tédio do dia a dia, a partilha das histórias, as diferenças, brigas e tudo isso que eu suponho que seja o amor.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Duas ou três coisas (pra viver)

Textura,

caminho fosco.

Cometas,

previstos e inesperados.

Voz de cama.

Som gengibre, desinflama.

Já sem cabides,

busca as roupas, coberturas.

E permanece a lembrança, desnuda.

A textura.

O sal da saudade, arritmia. Febre.

O dia corre, separa.

Ferve a água na panela, café.

Uma caneca de tempo.

O teu leite, o meu amargo, mulher.

sábado, 27 de julho de 2013

Aos trancos e encantos

Acordar mais poema,
Flutuar sobre os empecilhos,
Cantar a despedida e gritar de alegria.
Nasce o inacreditável do absurdo.
As estradas põem as mãos sobre nossos corpos
E no instante seguinte ficamos presos,
Atados aos fios de liberdade.
Uma rotatória de desejos...
O novo, a prosa, o som e a camaradagem.
Passado barro, buraco, poeira,
a beleza do intocável,
os passarinhos, as frutas do mato, os rios.
As duas certezas: movimento e morte.

domingo, 21 de julho de 2013

Fome de sentimentos

Esse encantamento de vidas,
a partilha dos dilemas,
o degustar das saudades.
Me falou que certas pessoas
têm respectivas formas de conversar.
Desde de então ficou mais divertido
forma e conteúdo pra falar ou escutar.
Hoje-garoa,
pensamentos e poemas.
Gosto do dia e da noite,
do sol e das nuvens,
do inverno, primavera, outono e verão.
Mas só porque eu aprendi a passear,
a sobreviver das palavras.

sábado, 15 de junho de 2013

Pra saber

Fiz um desenho teu,
e não consegui mostrar.
Posto que tudo de mim é controvérsia,
segue como enfeite de minha alma.
Tracei seu rosto,
pus a lua ao lado dele, junto a minha insônia.
É pra matar a saudade,
aquela que ainda resta de ti.
A dita morta desdenha.
Sorrateira penetra os pensamentos.
E de um sopro de vento,
o danado do acaso me dá teu abraço...
É o tempo, e tudo de bom que sempre resta.
Pela fresta, pela fresta, pela festa...

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Histérica


Se um dia seus olhos me derem a honra
de pousar por aqui, vadiar ou seduzir
vão saber admirar a embriaguez do silêncio?
Tic, tac, pif, paf, e tudo escorre entre os dedos.
Assumo o trono da inveja,
rainha, prestes a ser decapitada.
É que fingindo assim dói menos,
doendo menos se vive mais,
em se vivendo mais o mundo tem mais chances,
tendo chances as vezes a gente quer mudar.
E a gente quer mudar, pra cada vez doer menos.
Nem sempre conseguimos.
Também somos os mesmos.
E que sorte compreender nossas próprias contradições.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

Um poema para minha classe

Somos todos demitidos
Um oferecimento "Falta de perfil: há anos controlando  o medo"

E um dia eu acordei e escutei:
- Você não tem perfil.
Depois de dedicar meus talentos,
minha responsabilidade,
e mais de 70% dos meus pensamentos diários.
Após anos aperfeiçoando meu ofício,
diagnosticando falhas, apontando saídas.
Não fui encaixado e vou pro sacrifício.
Alguns "perfis" apoiam minha saída,
outros começam a se desencaixar,
e tantos outros evitam qualquer pensamento,
trata-se do império do medo de pensar.
Fui pro banco de reserva.
Aguardo uma chance.
Acredito menos em mim e nos outros.
Estou adoecendo.
Décima entrevista de emprego,
será que eu consigo?
Empregado, mau remunerado e agradecido.
Hoje sou finalmente um perfil,
calado, mas com as contas pagas.
É isso que importa. Não é?
Cumpro as metas, faço o que me pedem,
mas ao menos faço, ao menos pago, ao menos me vendo, parcelo.
Continuo adoecendo, mas tenho remédios.
Hoje eu acordei e escutei:
- O perfil que a empresa quer mudou...
Ensurdeci e resolvi gritar:

Tratem de inventar outra desculpa pra nos maltratar!

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Tom subversivo





Os balés dos pés, a dança das mãos
o passo com a cabeça, além do som.
Percebo ruídos no silêncio interior.
Entre a morte e a vida,
entre as pausas de não e sim.
Os detalhes, os incômodos, as jornadas.
O único lado possível é o meu.
Cá dentro mora tudo,
gente, canções, gostos e o lá fora que quero deixar...
Aquilo que escuto, o que não ouço,
O que rompe a barreira e teima em ficar.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Casa


É como se o amor já estivesse ali
e eu não pudesse tocá-lo.
Como se eu tivesse que inventar,
ou seria reinventá-lo?
Rasgando o véu do tempo,
remendando o despudor,
alertando o vento.
Deixar-se conduzir,
compor, viver, sonhar...
Sentir.



domingo, 5 de maio de 2013

Sentir de onde vem as coisas que consumimos


                Para escrever este texto eu abri meu notebook num momento de angústia que se iniciou ontem e eu não tinha as palavras certas para descrevê-la. Há um imenso prazer em ter um notebook e pode fazer isso. Um investimento no ego de tal maneira em poder ter recursos tecnológicos e intelectuais neste gesto. Eu poderia escrever com papel e lápis ou caneta, mas eu escrevo no computador para postar na internet o mais rápido possível e transformá-lo em propriedade do mundo e "ganhar tempo". O que está por trás de do notebook? Da televisão? Do DVD? E de todas as outras coisas que nos dão conforto e prazer?
                Numa aula sobre teoria marxista, a professora enfatizou várias vezes que tudo o que vimos foi feito com sangue e suor da classe trabalhadora. Naquele instante eu achei um tanto melodramático, oras quem não sabe que as coisas são produzidas pelos trabalhadores? Relendo os textos da aula ontem e hoje fui tomada por uma angústia estranha e como de costume culpei a TPM. Mas as coisas são mais profundas do que parece. Sempre são assim. Me dei conta que tudo que é produzido hoje pela humanidade é uma série de esconderijos de sofrimentos. Depois de uma semana exaustiva, eu tomo uma cerveja. Esta foi feita numa fábrica por trabalhadores que vendem o maior tempo de suas vidas, tempo este que poderiam estar com seus filhos, ou em qualquer outra atividade que lhes realizassem. Não raramente eles se acidentam, ou têm a audição reduzida ao longo dos anos. Esse computador que está na minha frente, quantas pessoas morreram para que eu possa escrever esse texto? Algumas pessoas podem me achar melodramática demais, como eu pensei quando a professora repetia exaustivamente "sangue e suor da classe trabalhadora". De fato é o melodrama da vida real. Onde os estudantes desconhecem o sofrimento dos professores, e os professores desconhecem os dilemas dos estudantes. Onde os paciente desconhecem o sofrimento dos trabalhadores da saúde, e estes terminam por ignorar boa parte do sofrimento dos pacientes por ter que atender num tempo cada vez mais reduzido. Onde todos nós, consumidores, desconhecemos o sofrimento de quem trabalha para o nosso consumo. Aí reside um problema fundamental, consumimos a vida dos outros. E não há como ser feliz desse jeito. Por isso tudo que compramos aos poucos perde o sentido, fica sem graça e inventamos coisas novas para comprar.
                Outra perspectiva que parece muito convincente para algumas pessoas é a de que não precisamos de dinheiro para sermos felizes, o trabalhador que fez a cerveja pode ser mais feliz que eu. O relativismo das análises são esquemas de pensamentos muito uteis para não assumir nossa responsabilidade com o mundo. Digamos que ele seja feliz, que ótimo e porque ele não pode ser mais feliz? Sem doenças adquiridas com o trabalho? Com mais tempo para realizar atividades que ele gosta? Com uma saúde melhor para ele e sua família? Ele se acredita feliz por "cumprir sua missão no mundo, ou suas responsabilidades que seja", mas se a felicidade se resumisse a isso a humanidade ainda estaria nas cavernas.
                A verdade é que vivemos num mundo pesado, carregado das nossas dores. Quando compramos algo falamos como patrão, destratamos a atendente cujo o trabalho é criar necessidades irreais para nossas vidas. Que trabalho horroroso. Mas isso é o que garante que ela tenha alguns objetos fabricados da dor de outros trabalhadores e também possa se acreditar um tanto mais feliz.
                Se Marx estava certo e o que funda o homem como ser social é o trabalho, ao desconhecermos o trabalho uns dos outros fica mais fácil o desperdício, a futilidade e os breves instantes de prazer. Todavia, também nos distanciamos da felicidade, pois trabalhamos cada dia mais e em piores condições para ter o fruto do sangue e suor de outros trabalhadores. Tem uma frase que circula por aí que resume isso "não tá fácil pra ninguém".
                Neste texto eu não quero falar mal dos donos dos meios de produção. Não é deles que têm que partir a mudança do mundo. Eles estão aprisionados neste mundo da mesma forma que nós e somando seus prazeres, defendendo isso com todas as forças. Mas nós não defendemos extinguir essas dores com todas as forças, eles apenas se aproveitam disso. Não estou defendendo eles, só não espero nenhuma que angústia da parte deles que resolva nossos problemas.
                Sempre escutei que a gente tem que dar tudo que não tivemos aos nossos filhos. Sabe aquele brinquedo que gira, canta e brilha? Que custa boa parte do salário? Sem medo de errar, se você girasse e cantasse com seu filho brilharia muito mais na história dele. Mas a gente prefere dar o nosso suor e sangue, com o suor e sangue dos trabalhadores da fábrica de brinquedos para aliviar nossa consciência por não ter tempo pra brincar com nossos filhos. A gente pensa numa promoção para ter mais dinheiro para ter mais coisas e com isso compra o discurso de "reconhecimento profissional" e toda a lógica meritocrática como se existisse possibilidade de felicidade individual e isolada. Esquecemos que é impossível se esconder do sofrimento, que o diga a indústria farmacêutica vendendo cada vez mais antidepressivos.
                Parei um tempo, procurando uma conclusão para esse texto. Acho que não tem. Dentro das possibilidades estou um tanto menos ansiosa. Saber de onde vem as coisas é completamente diferente de sentir de onde vem as coisas. Em resumo é isso que eu descobri e ficaria bem satisfeita se alguém viesse a ler e pudesse me dizer que sente a mesma coisa, afinal é tão mais doloroso sofrer só. Acho que se Marx estivesse vivo falaria: Proletariado do mundo não escondam suas dores! Sofram e lutem unidos!

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A estrangeira


           Nasci numa cidadezinha no interior de Pernambuco. Nela havia um modo de vida interiorano, diversão e acesso fácil por distâncias curtas, feira livre de sábado, a sorveteria da cidade, as lanchonetes da cidade, as pracinhas da cidade, as fofocas da cidade, os donos da cidade... Mas o saudosismo termina por aqui. Por mais que eu me identifique com a cidade me agarrei a cada oportunidade que tive de me distanciar dela, havia algo de errado. Ela não é tão cidadezinha assim, a contradição moral no teor cosmopolita de seus habitantes. Na disputa por ser e ter mais, mesmo que não seja real, só para demonstrar para as outras pessoas. Um certo sentimento ambíguo que tudo que é de fora é melhor, ao passo que reside o tom áspero com visitantes estrangeiros.
                Pessoas nas quais tenho um imenso carinho também saíram de lá. Cada um ao seu modo, como a vida foi mostrando que é possível. Aos poucos fui me afastando das pessoas, da cultura, dos conhecimentos da minha própria terra. Mas a sua terra nunca saí de você. Às vezes me vejo reproduzindo o egocentrismo, a arrogância, o bucolismo da feira, a alegria provinciana de sair para tomar sorvete, moro do centro (como era quando estava lá) e próximo ao metrô (procuro evitar a distância do que preciso). Me falta o tempo livre que tinha ao residir lá, mas talvez se eu não tivesse saído esse tempo não seria preenchido de vida. São contradições, apenas contradições. É uma cidade de interior, é minha geração de retirantes deslumbrados com o mundo que tenta viver apenas sua vida e sair de lá é um status social tão tipicamente arrogante quanto os valores de lá. Parece que saímos pra cada vez mais esquecermos as tristezas dessa terra e poder sair em defesa dela numa mesa de bar seja em Recife, São Paulo ou Amsterdã. Isso revela que acima de tudo somos apaixonados por nossa cidade natal, ou a lembrança que temos dela.
                Outras pessoas que mantenho carinho também ficaram por lá e continuam a falar bem e mal da cidade. Elas não desistiram desse modo de vida, não se esquivaram de suas contradições e nem apostaram no individualismo que inerente aos que ganharam o mundo. Alguns por medo que se torna inveja dos que saíram, outros porque não tiveram oportunidade. Mas alguns não saíram por defender todos os encantos da cidade, pois eles são parte deste encanto  e a cidade é indissociável da sua própria existência. Estes por mais que viagem, que falem bem da cidade em mesa de bar em qualquer parte, coerentemente retornam e passeiam pelas ladeiras, vão à feira, ao trabalho e carregam dentro de si o mundo. A inveja é um sentimento condenado socialmente, mas a pouca coragem que me resta é o suficiente para admitir o quando invejo as pessoas que se encontraram na minha terra e ao mesmo tempo são igualmente pertencentes ao mundo e ao que o conjunto da humanidade produziu de melhor.

domingo, 17 de março de 2013

Arlequim


Tanta graça e virtude,
a palidez requintada afeto.
Desengonçado, leve, solto,
cercado do peso do que acha certo.
De onde brotam seus risos?
Quem semeou tal tristeza?
Eis o brilho seco do palhaço,
se lhe falta plateia fica apenas o mal amado,
quando ela existe se põe  amedrontado.
De que lhe adianta as cores que vemos?
O prazer fácil de risos amenos?
A menos que criamos coragem de vê-lo
despido de seus trajes e maquiagem.

Talita Kumy

sexta-feira, 15 de março de 2013

Ainda viro esse mundo em festa, trabalho e pão


Talvez o mais difícil dos ofícios seja o de falar o que se pensa. Os desdobramentos disso precisam ser medidos. É preciso estar cercado de certezas e ainda assim estar aberto para incertezas. Ter a humildade pra não ser arrogante e se deixar esclarecer por outros olhares. Contudo, também é preciso manter a firmeza e a convicção de ser o que se pensa e principalmente o que se faz. Sem isso não há respaldo para bancar um posicionamento. Algumas pessoas podem se perguntar porque ter um posicionamento é tão importante, penso que seja um passo importante para tornar sua a sua vida.
                Durante muito tempo fiquei calada, medi, pesei, nada arrisquei. Para muitos isso é um sinal de covardia, e em determinados aspectos até seja. Quis me cercar de instrumentos que legitimassem minha fala, consultar outras pessoas, assegurar-me dos impactos da verbalização dos meus pensamentos. Não sei se foi suficiente, mas o mundo que se abriu diante dos meus olhos ao finalmente poder falar é dialeticamente recompensador e atemorizante. O medo de ser incompreendida passa pelo sentir-se viva a partir da clareza de sentimentos. Hoje eu saí da zona de conforto e só consigo pensar nessa música...


Viramundo

Gilberto Gil

Sou viramundo virado
Nas rondas da maravilha
Cortando a faca e facão
Os desatinos da vida
Gritando para assustar
A coragem da inimiga
Pulando pra não ser preso
Pelas cadeias da intriga
Prefiro ter toda a vida
A vida como inimiga
A ter na morte da vida
Minha sorte decidida
Sou viramundo virado
Pelo mundo do sertão
Mas inda viro este mundo
Em festa, trabalho e pão
Virado será o mundo
E viramundo verão
O virador deste mundo
Astuto, mau e ladrão
Ser virado pelo mundo
Que virou com certidão
Ainda viro este mundo
Em festa, trabalho e pão

sexta-feira, 1 de março de 2013

Invisíveis



A correspondência erra o endereço,
ela não está mais aqui.
Estava quase esquecido.
Semi-calado,
adormecido em algum lugar.
É assim que tem que ser,
mesmo que se pense farta,
esqueça se doer,
não há porque lembrar.
Afinal, uma carta é só uma carta.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

As chuvas de verão


A chuva ácida vem corroendo os meus dias, arrancado camadas do que sonhei ser. O que eu não sabia é da tristeza profunda que sinto e ninguém há de me salvar.
Tudo escorre por entre os dedos, o tempo, a inveja, o pensamento. Enquanto tudo lá fora aparenta estar normal, e até muitas vezes ir mais além de um modo construtivo, aqui eu sigo sem entender as minúcias das coisas, detalhes se desfazendo nesta chuva.
O peso de mudar as injustiças, a leveza de aceitá-las. O peso de aceitar as injustiças, a leveza de mudá-las. A destruição é o alicerce de coisas no modo diferente. A manutenção das coisas é a destruição da superação humana. Aos poucos aprendo o que suporto, o que me destrói, a maldade que se alastra, a bondade escassa. Negar o mundo não é o suficiente, é  preciso transformá-lo. 
Então se descobre que a subversão é uma arma que defende e mata. Aprende-se que não há manual para extrair a liberdade. Alguns pensam que é saindo da casa dos pais, vejo que não. Sair do ambiente familiar carrega a contradição de viver por si, reproduzi-los, mesmo tentando ignorar tal condição. Outros pensam que é sustentando a família, ainda que subjetivamente, vejo igualmente que não. Esse movimento exaustivo, conflituoso e doentio de calar conflitos ignora o sabor da autonomia sobre a própria vida. Quando li A origem da família, da propriedade privada e do estado, fiz uma leitura alienada. Laços afetivos são conquistados, não impostos. Entretanto, escolhemos a hierarquia que podemos para sobreviver. Tanto tempo para perceber isso, tantas rupturas, tantas culpas e desencantos. Fui esquecendo as curvas da trajetória e hoje já não sei o que me sustenta.
As palavras servem pra seguir, pra doer, pra viver e ser feliz. Neste momento são chagas em meu corpo. Elas aparecem, se escondem e retornam mais doloridas e fortes.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Marcas


Cala, calmante, tristeza,
comida, partida, saudade.
Cisões sem emendas, vultos.
Tudo segue, disfarce, festa.
Segunda-feira, sorrisos, amigos.
Trabalho, ócio, cio.
Fenda, ferida, fato, maus tratos,
Exploração, greve, maldade, identidade.
Vai, capota, despenca, entorta.
Cede, lubrifica, bebe, justifica.
Berra, canta, fuma, traga.
Adianta?
Passa?

Ar foi, e tu?

A mão caída sobre o rosto, gesto.
Desejo e mais outro desejo, completa-se.
Desejante e desejável.
Mobilidade, som, alma, ego.

Olhares, janelas, corredores, pulsações.
Risos, improvisos, o tempo suspenso.
Quem é a presa? Ambos são aflitos?
Mortos pela mal da pressa, descobrem...
Enxurradas também destroem sertões.



sábado, 12 de janeiro de 2013

Meu primeiro photocontopoema


Ismália
Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...



São Paulo, 12 de janeiro de 2013.

Ismália, minha querida. Escrevo-te por ser uma das pessoas mais corajosas de que tenho notícia. Alguns te tratam com o desdém da loucura, isso não me importa. Desejo saber como vai sua vida no céu, e lógico, como vai no mar. Depois de sonhar tanto, quando o sonho se realiza, que nome tem?
Por aqui acho que só sei falar de mim. As coisas se complicaram, há tantas luas para se querer querida. Procuro segui-las no meu amedrontado modo.
Ao cair da tarde me veio a vontade de ser velha. Ao envelhecer ganha-se um corpo novo, a nossa história vai se desenhando na nossa pele. Decidi fantasiar. Forcei as linhas do meu rosto, abusei de cores que não costumo. Não era eu, era uma versão forçada de mim. Quantas e quantas pessoas não são uma versão forçada de si mesmas? Algo ou alguém as forçam a ser assim. Meu narcisismo em optar por ser essa versão me possibilitou aceitar que  esse instante, que precede o próximo, será sempre limitado, infantil e mesquinho. Quanto mais o tempo passa, mais chances eu tenho de querer minhas luas, de saber amar as pessoas e me surpreender com a vida para saber lidar com ela.
Fui me desmanchando. A angústia de se desmanchar deve ser semelhante aquela quando você partiu. As arestas da beleza precisavam ser quebradas, para poder enxergar em que tempo estou. Embora já tenha passado minha adolescência, as espinhas atuais me causavam repulsa, afinal não é tempo de espinhas e sim de rugas, aquelas que contam nossa história. Aos poucos acertei o fuso horário da alma e do corpo. É impossível já ter vivido tudo, já vi muito ao passo que é tão pouco.
Quis me embelezar, rejuvenescer, voltar ao melhor que minha idade pode representar esteticamente. Retratar o que o mundo acha belo. Um sol surgiu em mim. Lembrei da função que me persegue ou que eu persigo sei lá, aquela de iluminar o mundo. Depois lhe chamam de louca Ismália. Loucura é querer aquecer a frieza do mundo. Mas tudo isso é uma farsa, uma pintura. Tão necessário quanto o sol é a chuva pra se brotar algo nesse mundo. Ainda que eu tivesse esse poder, o de iluminar tudo, é impossível brotar vida apenas da luz. É preciso aprender a lidar com a mudança do tempo.
Tirei a maquiagem, Ismália não estava aqui. Não estava nem no céu, nem no mar. Ela morreu. As vezes a gente quer morrer um pouco, fantasiar um pouco, se aceitar um pouco. Com os olhos aguados aceito que eu quero viver muito, vê muito, talvez um dia eu morra desse mal de amar demais. Ou morra só um pouco a cada dia.
Estou exatamente onde quero estar agora, todavia distante demais de onde vou parar. Escrevo porque não quero parar.

Talita Kumy