Algumas lições
Possuo
algumas discografias, algumas fotos (talvez umas importantes demais pra mim
outras nem tanto), um colchão de casal usado por outras pessoas além de mim
assim como a minha mesa na cozinha. Possuo um armário com mais roupas que eu
posso usar e talvez menos do que eu precisava em momentos especiais (sempre uso
roupas novas de forma desnecessária). Acabo de comprar um dos melhores doces de
leite do mundo e uma colher dele já é o suficiente pro meu cérebro gozar.
Possuo também uma bi - cama que fica na sala servindo de sofá e abrigo para as
visitas. Não recebo muitas visitas, o que é bom por vários aspectos e ruim pelo
o principal aspecto: me sinto só. Bela porcaria, milhões e milhões de pessoas
se sentem assim e fazem coisas como ir a festas, praia, cursos... eu bem sei a
solução do meu problema, mas acho que não estou disposta a fazer nada disso,
não por agora. Me sinto como se fosse uma cidade cheia de escombros precisando
ser reconstruída, ou talvez minha metáfora esteja errada e eu precise erguer
algo neste deserto.
Acho
que o primeiro garoto que eu gostei foi aos 6 anos, eu queria ser a adulta, ele
nem me dava bola e eu tremia ao sentar do lado dele. Acho que eu tremia com a
possibilidade dele me aceitar como eu sou. Nesta época eu ainda nem tinha conhecido
meu pai. Deve ter sido a primeira rejeição da minha vida. A segunda foi a
visita do meu pai. Não sei se foi pior conhecê-lo e perde-lo do que não ter
conhecido. Eu gostava dos meninos da escola, aliás eu gostava de gostar deles. Me
sentia diferente por escrever poemas. Sempre fui muito boa em inventar
histórias, tão boa que eu mesma caia nelas, e eu sofria de verdade. O primeiro
homem que eu gostei tinha 16 anos, e eu 12. Eu fiz um roteiro de filme na minha
cabeça que nem eu mesma sei qual é a verdade. Ficou a versão mais bonita. Eu
pintando ele entrou na aula com seus cabelos longos e negros, sua boca carnuda,
e na época a Sandy gostada do Lucas da família Lima, portanto eu gostava de
homens cabeludos. O pincel tremia na minha mão e no dia seguinte eu podia
contar a história fantástica na escola, virando assim motivo de fofoca por
gostar de um cara mais velho. Me interessei, beijei outros meninos, mas ele era
minha história oficial. Tantos encontros e desencontros e eu nunca vivi nada
real com ele. Eu gostava de mim e da fantasia que a minha cabeça conseguia
criar. Num cenário pobre que é a atualidade, minha fantasia era igualmente
pobre, mas me causava algum frisson.
A
grande questão é como se faz pra gostar de alguém e não de si mesmo. Acho que
desprezo tanto a mim, que imaginar o amor nos outros é entrar em mania. Eu me
amo tão pouco que me desperdiçar em troca de alguma aceitabilidade se tornou um
vício. Me distanciei da possibilidade de amar/apaixonar. Sinto-me no limite
entre amor próprio e orgulho. Ainda não sei mediar bem as coisas. Esta cidade e
seus escombros, ou este deserto e suas tempestades não são fáceis de lidar.
Ninguém falou que seria.
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