Família
é um festival de incompreensões. Valores morais sem sentido, rupturas e
prisões. Tentamos, acima de tudo, nos relacionar. Com todas essas
humanidadesinhas cotidianas que insistem em não ter cabimento. Até que chega a
hora da ruptura, que bem pode ser compreendida como mais incompreensão. Mas
como assim você irá abandonar sua família? Eu não abandonei. Sei de cada fato
que acontece, sei das reformas, das brigas, das flores se abrindo e da dança
dos famosos. Eu só não suporto conviver com tudo isso. Acredito que cada um
deva ter o direito de escolher com o que suporta ou não viver.
Há
tanta melancolia no olhar da minha mãe, mesmo quando ela fala da felicidade
absoluta na qual ela acredita vez ou outra viver. Trata-se de uma sonhadora,
ela não suporta a realidade. Uma artista que driblou a vida e desenhou sua
história com muito trabalho. Entretanto, eu não suporto a forma como ela trata
quem trabalha para ela, nem ao que ela está submetida. Sinto asco por status
social e toda a corja política que a humilhou durante todos esses anos.
Confesso
que é bem cômodo pensar que tenho um pequeno abrigo, caso meu frágil emprego
assalariado dê errado. Preciso me livrar desse pensamento para poder libertar
minha mãe. É difícil entender tudo isso. Pior ainda é ser o fio que une a
família. É muito pesado tá no meio desse chumbo trocado, ainda mais se for de
cara.
Vim
passar as férias no nordeste por saudades de várias coisas e pessoas. Me
surpreendi com meu irmão, ele está bem melhor do que eu esperava. Consegui até
passar 48h sem sentir ódio dele. Um feito.
O buraco é mais em baixo com minha mãe. Ela trabalha de uma forma
alucinada pra manter um pesadelo que até hoje não teve fim. Eu não posso fazer
nada. Vejo a morte se aproximar dela e não posso dar vida. É frustrante, porque
eu tenho um trabalho que dá vida às pessoas, que demonstra outras formas de
viver. Eu não consigo fazer isso com a minha mãe. Então eu me pergunto se a
família estivesse junta, se seria diferente, a verdade é que não nos
suportamos. Nos amamos e não nos suportamos. Essa é a realidade. É o real fim
da família, da propriedade privada invadida pelos políticos que odeiam minha
mãe e do Estado. O problema é que a classe vitoriosa é a burguesia. Por pouco
tempo.