Sentia um desejo incontrolável ao
vê-lo. Entretanto, o inverso não era verdadeiro. Queria-o tanto que se
aproximara apenas pra contemplar seu sorriso e seus detalhes que o tornam
único, ao menos para ela. Leu em algum lugar que se não for correspondido não é
amor, por agora já não faz mais questão por nomes. O fato é que se afastara e percebera
em seguida que lhe fazia falta. Deixou-se guiar por seus desejos.
Ao chegar em casa não conseguira
concluir o filme, fez uma pausa para a fantasia. Mais tarde, em uma noite
repleta de calor, inesperadamente o telefone toca ele pergunta se está ocupada
ela responde que não. Ela o convida para escutar violão. Ele chega, ela
resiste. O sabor do dia seguinte é desagradável, indigesto. Ele a compreende
como um raio de sol iluminando qualquer situação, por mais sofrida que seja. Gostaria
de supor seus pensamentos, mais a inutilidade desta abstração provocaria o afastamento
da realidade. Falavam sobre o rio São Francisco, a marginalidade e os efeitos
da pobreza. Pensamentos similares os aproximavam de fato. Mas é na faísca de um
debate apaixonado que as contradições afloram. Divergiram sobre machismo. Mais
cedo esse assunto surgiu, mas só então foi aprofundado. Ele pensa que uma série
de modalidades de dança reproduzem o machismo. Ela está mais preocupada em se
permitir o gozo nos papeis criados sócio-históricamente, mantinha a dança entre
seus quereres porque acredita que aproxima as pessoas. Foi um duelo artístico,
filosófico e político. Como as contradições se resolveram? Vamos à prática.
Desafio instaurado, escolheu alheatoriamente Aí que saudade d'ocê. Seus olhos se entrelaçaram
dissipando a timidez, durante a introdução a mão dela buscou a dele pousando em
sua cintura, a dele involuntariamente segurou com firmeza a outra mão. Seus
corpos se aproximaram. Ele repetia que não sabia conduzir, que não sabia dançar. O
quadril dela abria os caminhos do ritmo, e seu sorriso arrematava com leveza os
acertos e os erros. Sussurrava em seu ouvido o que fazer com seu corpo, que no
instante da dança é partilhado como um só. A música acabou. A mão dele envolve
seu pescoço, ela enfim se rende. O beijo leve que recordara dava espaço ao
beijo certeiro que até então desconhecera. O beijo que surgiu da dança, do
dilema de conduzir e ser conduzida. Mas quem conduziu esta dança? O inevitável.
Quem vencera o debate? O desejo. Tais conclusões se abriram em suas cabeças
como uma rosa ao desabrochar da primavera, em silêncio. O acordo era que o silêncio era a beleza da situação. A mão dele já estava em
seu quadril, aproximando-a do seu sexo. Abriu o zíper de seu vestido, beijou
seu colo, despiu seu corpo. Então nua ela se afasta, ainda pensa no dia
seguinte. Ele retira a camisa e a puxa para seu corpo. O medo é o disfarce do
desejo, e ele acabara de retirar a última peça, a mais delicada e inacessível. Ela
prontamente arranca seu short. Os sexos se unem, as peles derretem ao calor da
cama, a guerra de sensações se instaura. Calefação de salivas, invasões de línguas, disparos nos corações, descabimentos dos corpos.
Ela se levanta, sozinha, mas preenchida
de desejo. Escreve um conto de delírios para dar algum sentido ao que sente. O
telefone permanece mudo. Vai arrumar a casa, enquanto canta para aguardar um
novo amor, um par que lhe enxergue.